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Expedições

Exploração do rio Jacaré-Pepira (Tensão na cheia)

Dourado a Bocaina, SP

As aparências enganam… Uma forte correnteza aparentava ser nossa maior aliada, mas se tornou nossa maior inimiga…

Há muito tempo o amigo Valdo nos convidava para conhecer o rio Jacaré-Pepira. Segundo seus relatos, esse rio é considerado um dos mais limpos do Estado de São Paulo, pois além da mata ciliar preservando boa parte de suas margens, as grandes cidades estão longe de seu curso e assim a degradação humana ainda não se faz muito presente.

A ideia inicial era partir de uma ponte próxima de Boa Esperança do Sul, e seguir o rio até o rancho do Valdo, situado nos arredores da cidade de Itaju, à margem do Jacaré-Pepira. Devido a estarmos distantes destas cidades, o período oportuno para a expedição não poderia ser outro: as férias de janeiro. Mas talvez os dias escolhidos não fossem os melhores: dias de chuva!

Ainda em casa, estudando o roteiro e observando imagens aéreas, verificamos que o rio serpenteia uma região de mata ciliar, onde existem poucos pontos de resgate, tais como pontes, estradas ou mesmo casas que sinalizem habitação. Mapeamos uma expedição de aproximadamente 80 km, previstos de serem percorridos em dois dias. Planejávamos fazer um acampamento “selvagem” às margens do rio, no meio da trajetória.

Partimos da capital de SP logo cedo, antes do sol raiar, em uma quarta-feira, com destino à Boa Esperança do Sul. No caminho encontramos o amigo Valdo, que nos deixaria no rio e levaria nosso carro até o rancho onde pretendíamos chegar. Já durante a viagem, observamos muita chuva e recebemos a informação de rios muito cheios na região. Ao chegar à ponte do Jacaré-Pepira, uma surpresa que não contávamos: margens completamente alagadas. A região de mata ciliar que margeia o rio estava dentro da água, os troncos se erguiam e nos davam a impressão de que estávamos em uma típica região litorânea de mangue. Fizemos uma avaliação visual, verificamos que era fácil encontrar o “leito” do rio e decidimos entrar, apesar do grande volume de água descendo. O amigo Valdo partiu com os carros e começamos a nos equipar.

De início, pensamos que a forte correnteza iria nos ajudar a realizar uma descida mais rápida, mas ela foi nossa maior inimiga nessa expedição. O nível de água era tão alto, que não se encontravam as margens, e dessa forma o rio deixava de fazer a “serpente” de seu curso natural. A corrente de água praticamente “cruzava” o rio, levando-nos a todo o momento para as árvores. Se o nível não fosse esse, estaríamos desviando de troncos, mas acabávamos sendo jogados para a “copa” das árvores.

O esforço exigido para nos mantermos no leito do rio era ininterrupto, pois a cada obstáculo desviado, novos se aproximavam. Entre desviar, bater e se enroscar nos galhos, muitos insetos, aranhas, folhas e galhos começavam a fazer parte de nossas embarcações. Estávamos remando um caiaque duplo, com um caiaque rebocado, que carregava nossos equipamentos para acampamento, incluindo alimentos.

O primeiro grande obstáculo aparece: uma ponte. Deveríamos passá-la por baixo, mas a cheia fez com que o nível da água estivesse apenas 30 cm abaixo de suas ferragens. O resultado não poderia ser outro: buscar uma margem para sair do rio e passar a ponte por terra. Naquele alagamento todo, foi difícil encontrar uma margem firme. Quando finalmente ela é encontrada, o Alexandre apoia-se em um toco para ancorar o caiaque e quase encosta em um dos seus maiores temores: um escorpião. Ainda bem que o Almir, com seu clínico e observador olhar, percebeu o animal e avisou o amigo antes que algum acidente acontecesse. Já não bastavam as tensões anteriores, ainda essa! Perto dessa ponte havia uma espécie de alojamento, abandonado, como quase tudo o que encontramos nas margens.

Passada a ponte, segue a correnteza cada vez mais forte, e o inevitável acontece: o caiaque de carga vira! Como ele não conta com nosso jogo de cintura para equilibrar a embarcação, qualquer esbarrão mais forte de um galho, ou redemoinho na curva, é o suficiente para deixá-lo de ponta-cabeça. Surge aí outro problema: como desvirá-lo? O peso do caiaque com carga torna impossível desvirá-lo na água, tivemos então que buscar terra firme para fazê-lo, mas onde está a terra? As margens continuam alagadas e o ponto mais raso encontrado deixava o Alexandre com a água no peito! E assim teve que ser feito: caiaque desvirado, e vamos seguir!

Durante a descida, em um dos momentos críticos da expedição, o caiaque de carga ficou enroscado em um dos galhos, e não conseguíamos voltar contra a corrente para desenroscá-lo. Estávamos presos! Nem subíamos, nem descíamos! Única alternativa: o Alexandre puxando os galhos como um macaco tentando “voltar” o caiaque, enquanto o Almir, usando com fúria o abençoado facão, tentava cortar aquele galho imenso que nos “ancorava”. Um exaurido de se pendurar nos galhos, outro exausto dos golpes de facão empunhados contra o galho, mas enfim conseguimos seguir viagem. Cada vez mais tensos…

Entre galhos, troncos e redemoinhos, contamos o caiaque de carga virando três vezes, e como não conseguíamos encontrar pontos seguros para desvirá-lo, ele passou muito tempo arrastado de ponta-cabeça. Quando isso acontecia, nosso reboque parecia pesar uma tonelada. As cargas e equipamentos ficaram muito tempo dentro d’água, e com a forte correnteza, acabaram sendo molhadas. Parte da comida foi perdida e devido às condições encontradas até ali, começamos a pensar em abortar a missão.

Conferindo nosso mapeamento, tínhamos percorrido apenas 4 km, e faltavam mais 4 km até a próxima ponte, onde havia uma estrada e provavelmente conseguiríamos auxílio. Chegando lá a correnteza se mostrava ainda pior, e até a procura de uma margem segura se tornou uma aventura. Já haviam nos avisado que havia uma forte corredeira debaixo da ponte, e o barulho e fluxo da água cada vez mais forte nos amedrontava. Mas com cautela e frieza conseguimos ancorar alguns metros antes da ponte.

Saindo do rio, havia um rapaz de moto observando o rio, e informou-nos que um pouco adiante havia uma casa, com um morador que talvez conseguisse nos ajudar. Precisávamos naquele momento de alguém que nos levasse até o rancho onde estava nosso veículo. O Almir foi até a casa, e conseguiu telefonar para um taxista da cidade mais próxima: Bocaina. Aguardamos um pouco e o táxi chegou… Agora era o momento do Alexandre aguardar o Almir, que foi buscar o nosso veículo, e depois voltar até aquela ponte para pegar o amigo que esperava com todas as tralhas e caiaques. Espera que parecia infinita, pois molhado, debaixo de chuva e sendo “devorado” pelos pernilongos, o tempo parecia multiplicar-se cada vez mais.

Enfim chega o Almir com o carro e o amigo Valdo. Hora de carregar as coisas e seguir em busca de uma cama, um banho quente e comida, pois naquela trajetória tensa toda, não houve espaço para sequer comerem uma banana.

Já na casa do Valdo, apesar das dificuldades do dia, imperava a satisfação por mais um rio desbravado e o conforto de ter uma cama quente, banho e uma boa comida caseira.

No dia seguinte ainda houve espaço para uma pesca e um passeio de barco, apenas para contemplar a região e descansar.

Sabemos que nas explorações de novos locais os riscos e os imprevistos são incalculáveis, que pode haver alegria, mas também tensão. De qualquer maneira, a sensação de sucesso ao terminar a jornada é indescritível.

Entre bate-papo e descanso, fica uma importante reflexão e lição… Expedições e passeios de rio na época de cheias? Talvez não seja o melhor período escolhido, pois além dos riscos causados pela forte correnteza, as águas barrentas tornam o visual não tão atrativo. Mas isso é um limitador? Claro que não! Nas chuvas, vamos focar em mares e represas! Na seca, estaremos nos rios! O que importa é: VAMOS REMAR!

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